"Que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe!" (Walter Benjamin)

“A cada experiência frustrada, recomeçam. Não encontraram a solução: a encontrarão. Jamais os assalta a idéia de que a solução não exista. Eis aí sua força” (José Carlos Mariátegui)


sábado, 23 de julho de 2011

Destino e Caráter

Autor: Walter Benjamin
Tradução: João Barrento


Destino e carácter são muitas vezes vistos em ligação causal, sendo o carácter referido como causa do destino. O que está subjacente a esta ideia é o seguinte: se, por um lado, o carácter de uma pessoa, ou seja, também o seu modo de reagir, fosse conhecido em todos os seus pormenores, e se, por outro lado, o acontecer universal fosse conhecido nos domínios em que se aproxima daquele carácter, seria possível prever exactamente, tanto o que aconteceria a esse carácter como o que ele seria capaz de realizar. Por outras palavras, poderíamos conhecer o seu destino. As concepções dominantes hoje não possibilitam um acesso mental directo ao conceito de destino. Por isso, o homem moderno, aceita a ideia de o carácter poder ser lido a partir dos traços físicos de uma pessoa, porque encontra de algum modo em si mesmo esse saber do carácter, enquanto a ideia análoga de ler o destino a partir das linhas da mão lhe parece inaceitável. Isto parece tão impossível como «prever o futuro»: nesta categoria inclui-se, sem mais, a previsão do destino, enquanto o carácter surge como algo que se situa no presente e no passado, como algo de reconhecível, portanto. Acontece, porém, que precisamente aqueles que se empenham em predizer o destino a partir dos mais diversos sinais afirmam que isso é imediatamente reconhecível ou, numa expressão mais prudente, está disponível para aqueles que sabem ler esses sinais (que encontram em si um saber absoluto e imediato do destino). A suposição de que o «estar disponível» de um qualquer destino futuro não contradiz, nem o conceito de destino, nem as capacidades cognitivas do homem para a sua predição, não é, como se verá, de todo absurda. De facto, tal como o carácter, também o destino só é perceptível por meio de sinais, e não em si mesmo, pois – apesar de este ou aquele traço de carácter, esta ou aquela trama do destino, poder estar directamente debaixo dos nossos olhos – o contexto em que aqueles conceitos são usados nunca pode «estar disponível» a não ser por meio de sinais, porque se situa acima do imediatamente visível. O sistema de sinais caracteriológicos é em geral limitado ao corpo, se exceptuarmos o significado caracteriológico daqueles sinais que o horóscopo explora; de acordo com a tradição, os sinais do destino podem encontrar-se, para além do corpo, também em todos os fenómenos da vida exterior. Mas a relação entre o sinal e aquilo que é sinalizado constitui em ambas as esferas um problema igualmente fechado e complexo, mas diferente nos dois casos, porque, apesar de toda a observação superficial e de todas as falsas interpretações dos sinais, eles não podem, em nenhum dos sistemas, carácter ou destino, gerar significação com base em relações causais. Uma relação de sentido nunca pode ter um fundamento causal, ainda que no caso presente aqueles sinais, na sua existência, possam ter sido suscitados de forma causal pelo destino e pelo carácter. No que se segue não vamos investigar de que modo se manifesta um tal sistema de sinais para o carácter e para o destino; a reflexão centrar-se-á exclusivamente no objecto sinalizado.

Fonte: www.lusofia.net
Texto na íntegra: Aqui

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