"Que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe!" (Walter Benjamin)

“A cada experiência frustrada, recomeçam. Não encontraram a solução: a encontrarão. Jamais os assalta a idéia de que a solução não exista. Eis aí sua força” (José Carlos Mariátegui)


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Resistir às Sereias

Autor: Jeanne Marie Gagnebin*


A análise do episódio das Sereias, da Odisséia de Homero, está no cerne do pensamento adorniano sobre o grande sistema de dominação social que constitui a Aufklärung.

Talvez não haja no livro emblemático de Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento, nenhuma passagem mais famosa do que sua releitura da Odisséia, em particular a retomada do episódio das Sereias. 

Reler, mais uma vez, essa releitura comporta, sem dúvida, o risco da repetição, mas também testemunha a força da narrativa homérica e, igualmente, a força da interpretação de Adorno e Horkheimer – e, quem sabe, o poder das próprias Sereias, esses monstros imemoriais, aquáticos e femininos, que continuam a nos encantar até hoje, até Kafka ou Blanchot.

Se voltarmos muito rapidamente ao Canto XII da Odisséia, no qual o próprio Ulisses toma a palavra como narrador e conta suas aventuras ao rei Alcino e à sua corte, duas características chamam a atenção. Primeiramente, o episódio das Sereias segue o da “Nekya”, isto é, da descida de Ulisses ao Reino dos Mortos, ao Hades, uma viagem iniciática à fronteira dos tempos e da vida. Dessa viagem, o herói volta mais rico em saber: saber do passado, pois ele se encontrou com sua mãe, já falecida, e com vários companheiros de armas mortos; e saber do futuro, que lhe revela o grande adivinho Tirésias. De volta do Hades, Ulisses retorna à mansão de Circe, a poderosa feiticeira à qual soube resistir e que, agora, lhe ajuda. Ele ali descansa e pede os conselhos da deusa. Essa seqüência da narrativa ressalta a periculosidade das Sereias. Parece, pois, que não basta Ulisses ter triunfado da provação maior: ter ousado ir até o limiar do Reino dos Mortos. 

Aguerrido, ele deve enfrentar outro território, no mínimo tão perigoso como o da Morte: o das Sereias, a região do canto e do encanto que a tradição posterior vai identificar com o território da palavra poética.
Deve-se observar, em segundo lugar, que Homero não dedica muitos versos à narrativa do episódio enquanto tal da passagem do barco de Ulisses pela perigosa região: somente uns quarenta versos. Em compensação, Circe descreve, antecipadamente e com minúcia, os perigos dos monstros e os meios de lhes resistir; e Ulisses transmite, também com bastante detalhes, esses ensinamentos a seus companheiros. Há, portanto, como que várias dobras narrativas no texto: Circe conta a Ulisses que conta a seus companheiros como enfrentar as monstruosas criaturas; conselhos, advertências, temores e a própria etapa da viagem, todos esses elementos são retomados e contados por Ulisses aos Feácios e por Homero (vamos fazer de conta que um único Homero existiu!) a nós. Entre o poder das Sereias e o poder da narração parece haver uma relação tão íntima e recíproca que um se nutre do outro até o infinito de todas as releituras e retransmissões futuras, como se contar mais uma vez a vitória de Ulisses sobre as Sereias manifestasse, paradoxalmente, o quanto elas continuam a nos subjugar.

Proponho, então, reler a interpretação de Adorno e de Horkheimer como um sintoma a mais dessa subjugação, mesmo que desta última eles pouco falem. Falam muito mais de outros processos de submissão, processos nucleares para compreender o grande sistema de dominação que constitui a Aufklärung (Iluminismo e Esclarecimento numa única palavra): dominar não só o mito pela razão, isto é, dominar a angústia originária do homem frágil perante a natureza e a morte pela explicação racional, mas dominar, também, a natureza exterior pelas ciências e pelas técnicas e, igualmente, a natureza interior pela repressão e pela educação; finalmente, estabelecer e fortalecer a dominação de alguns poucos sobre a maioria dos homens, já que somente a dominação política permite o pleno exercício das outras formas de controle.

O drama (ou a dialética!) desta evolução consiste, dito de maneira muito rápida e grosseira, na constatação por Adorno e Horkheimer (feita em plena Segunda Guerra, não podemos esquecê-lo) de que o Esclarecimento, em vez de “livrar os homens do medo e investi-los na posição de senhores” (Dialética do Esclarecimento, tradução de Guido de Almeida, editora Jorge Zahar), como era a bela esperança do Iluminismo, acaba por torná-los escravos de uma racionalidade técnica e instrumental, forma tão degenerada como onipresente de razão. Em vez de ajudá-los a alcançar a tão desejada liberdade, o Esclarecimento sujeita os homens tantos aos poderes econômico-sociais (Marx) quanto aos poderes econômico-psíquicos (Nietzsche e Freud).

Ora, esse sujeito sujeitado, oposto e complemente do sujeito autônomo que visava o Esclarecimento, esse sujeito encontra a história premonitória e paradigmática de sua fatal evolução na narrativa épica, na história de Ulisses, que deve renunciar a seus ímpetos mais originários de felicidade e realização para conseguir manter-se vivo, para se conservar a si mesmo. Adorno e Horkheimer relêem a Odisséia como a proto-história exemplar do Mal-estar na civilização, texto fundante deste “excurso” (e, igualmente, do resto do livro, mesmo que de maneira menos explícita): Ulisses deve passar pelo aprendizado de inúmeras renúncias, que a seqüência dos vários episódios da Odisséia representa alegoricamente, para poder chegar a Ítaca e aí conseguir reapropriar-se da realeza, da esposa e do filho, isto é, para conseguir constituir-se em sujeito adulto com uma identidade assegurada. No cerne dessa história de renúncia e, simultaneamente de constituição do sujeito, o episódio das Sereias oferece como que uma condensação de todo o desenvolvimento a Aufklärung: “As medidas tomadas por Ulisses quando seu navio se aproxima das Sereias pressagiam alegoricamente a dialética do esclarecimento.”.

Tentemos elencar os diversos motivos dessa alegoria, lembrando que uma interpretação alegórica não é, por definição, nenhum comentário filosófico rigoroso, mas sim uma leitura ao mesmo salvadora, porque retoma e transfigura a tradição, e arbitrária, justamente porque não se baseia nos alicerces sólidos da pesquisa filológica. Ou ainda: podemos muito bem discordar da interpretação da Odisséia feita por Adorno e Horkheimer, se se esperar uma análise escrupulosa do texto antigo. Mas não podemos negar a força dessa interpretação como sendo uma leitura renovadora; a partir de uma velha história do passado, de repente convertida em descrição da condição humana, essa leitura da Odisséia nos dá a pensar e nos interroga sobre o processo de civilização e de subjetivação que ainda nos constitui.

O primeiro motivo dessa alegoria consiste em interpretar o triunfo de Ulisses sobre as Sereias como o de uma forma emergente de racionalidade sobre o mito, mais precisamente, como a transformação da magia em arte. Enquanto monstros imemoriais, aquáticos e femininos, as Sereias encarnam os poderes mágicos anteriores ao surgimento do sujeito como identidade racional e determinada. Sua força mágica de sedução provém da atração ou da saudade que continua exercendo a representação de uma indistinção feliz entre o si (selbst) e o mundo, lembrança da indistinção entre o recém-nascido e sua mãe segundo Freud; mas sucumbir à sedução dessa felicidade também significa desistir da individuação e, portanto, arriscar a própria existência: os viajantes que se entregaram às Sereias forma por elas devorados. Ulisses resiste às Sereias, mas não abdica do gozo (incompleto) de escutar seu canto: reconhece o encanto, mas não cede ao encantamento. 

Assim também, eis o segundo motivo da alegoria, o amador de arte é condenado a um gozo impotente. 

Sempre se ressaltou, com razão, que Ulisses amarrado ao seu mastro é a imagem exata da auto-repressão, condição necessária e desastrosa da transformação do “si” indiferenciado em “eu”, em sujeito determinado e identitário. Como em Freud, o sujeito deve, na interpretação de Adorno e Horkheimer, reprimir suas pulsões de vida mais originais e autênticas para se constituir a si mesmo e, em particular, para conseguir ter acesso ao reino da liberdade e da beleza, à fruição estética. Ulisses, o chefe, só poder escutar o canto das Sereias porque tapou os ouvidos de sua tripulação, condenada a trabalhar sem nenhum gozo, e porque pediu para ser atado ao mastro, isto é, escolheu sua própria prisão. Mas essa dupla repressão – do dominador sobre os dominados e do dominador sobre si mesmo – não marca somente de uma melancolia incurável o sujeito burguês adulto “bem-sucedido”. Assinala também uma tristeza infinita na origem da possibilidade mesma da experiência artística: Ulisses “escuta, mas amarrado impotente ao mastro”, “o que ele escuta não tem conseqüências para ele”, “amarrado, Ulisses assiste a um concerto, a escutar imóvel como os futuros freqüentadores de concertos, e seu brado de libertação cheio de entusiasmo já ecoa como um aplauso”.

Neste gesto, os poderes da magia são condenados à ineficácia e mantidos como expressão da beleza e da transcendência: são transformados em expressão artística. Se a arte surge, então, da magia como sua forma mais racional e mais pura, ela também emerge como beleza impotente, sem eficácia, uma expressão sem conseqüências práticas, uma mera forma separada da ação. Adorno e Horkheimer enfatizam tanto a beleza quanto a impotência da arte. O que a estética clássica caracterizou como sua grandeza, a saber, a sua relação com o nobre exercício da contemplação (em grego, theoria), ou seu caráter de “finalidade sem fim” (Kant), também é sinônimo de sua fraqueza maior: não ter mais poder de ação. Somente assim, aliás, a arte é tolerada numa sociedade fundada sobre a dominação.

Parece-me essencial ressaltar esta incompletude presente no cerne da experiência estética, entendida tanto como criação quanto como fruição artística. Essa experiência só é possível se for, primeiramente, reservada a poucos, um privilégio de classe em termos marxistas, e, segundo, se ela não levar a nenhuma ação prática relevante. Contra várias leituras da filosofia de Adorno que vêem na sua reflexão estética o lugar de uma possível redenção de alcance sociopolítico, Fredric Jameson insiste, a meu ver com razão, nesta “culpa” [1] inerente à arte numa sociedade de classes: ela é luxo, privilégio, isto é, também sem eficácia decisiva, porque não pode transformar a injustiça da estrutura social na qual ela mesma se enraíza. Forma talvez mais autêntica de felicidade possível nesta sociedade injusta, forma que deixa vislumbrar que uma alteridade radical poderia, sim, ter direito à existência, forma, portanto, de resistência e de criação, a arte só pode continuar a sê-lo se ela se sabe uma forma destituída de força, se não nutre ilusões sobre seus pretensos poderes, se tematiza no seio da própria obra esta falta de completude.

Paradoxalmente, essa fraqueza culpada também se manifesta na terceira figura da alegoria, nos remadores; de ouvido tapados, eles remam sem parar e conseguem, assim, se salvar a si mesmos e a seu chefe, porque não escutam. As Sereias míticas tinham poderes mágicos sobre a vida e a morte. Mas basta colocar bolinhas de cera nos ouvidos para transformar esses poderes em artigo de luxo, em produto artístico do qual se sabe que existe, que é belo, mas do qual se sabe que existe, que é belo, mas do qual se prescinde muito bem para continuar vivo. Deve-se, aliás, prescindir dele se o trabalhador quiser continuar a trabalhar, produzir, descansar e recomeçar; não é permitido se deixar distrair e desviar do caminho sob pena de morte (de fome, de desemprego). Saber que algo belo existe e, simultaneamente, saber que se pode e se deve viver sem essa beleza testemunha, sem dúvida, a dureza da vida dos dominados; atesta igualmente, volto a insistir, a pouca importância real da arte (e não só da arte, também da filosofia!). Signo de uma outra vida, mais verdadeira, como o afirmam os poetas, a arte também é signo da distância abissal entre o verdadeiro e o real, ou ainda da injustiça da realidade e da importância da verdade.

É bom lembrar que se os remadores não escutam, não são surdos de nascença, mas tiveram os ouvidos tapados pelo chefe. Pode-se, então, esperar que tirem a cerca, que venham a ouvir e escutar novamente, que mudem de remo e de rumo. Essa mudança perigosa – para a ordem dominante – deve ser evitada: “Quem quiser se manter não deve prestar ouvidos ao chamado sedutor (...). Disso a sociedade sempre cuidou. Alertas e concentrados, os trabalhadores têm que olhar para frente e esquecer o que foi posto de lado.” Para Adorno e Horkheimer a função principal daquilo que chamam “indústria cultural” consistirá precisamente nisso: evitar por todos os meios que os trabalhadores deixem de ser surdos e ousem ouvir, que possam “ouvir o inaudito com os próprios ouvidos”, “tocar o intocado com as próprias mãos”. O engodo da indústria cultural, cujo poder lembra o da magia mítica, será duplo. Ela mantém as massas surdas, não as encoraja a recuperar a audição e reforça ainda mais essa enfermidade ao fazer acreditar que não há problema nenhum, que todos escutam muito bem. Produz, então, uma série sonora ininterrupta e sempre repetitiva que, por assim dizer, ocupa constantemente ouvidos e cabeças como se não houvesse nem possibilidade de silêncio nem possibilidade de sons outros. A indústria cultural não só mascara a violência social que separa a classe privilegiada (e que pode ter sensibilidade artística) da massa dos trabalhadores; em vez de denunciar a surdez destes últimos, os acostuma a sempre ouvir o mesmo disfarçado de novo, os leva, portanto, àquilo que Adorno chama de “regressão da audição” [2] – e que somente um intelectual culto, isto é, privilegiado, como o era o próprio Adorno, tem os meios críticos de diagnosticar como “regressão”... Resta saber até que ponto o diagnóstico pode levar a um tratamento eficaz e à cura. Sobre isso, Adorno parece ter tido menos ilusões que vários de seus leitores bem intencionados de hoje.

Uma última observação para não terminar esse pequeno artigo com uma desolação intelectual autocomplacente. Em sua análise da Odisséia (“Lê récit primitif” em Poétique de la prose, Seuil), Tzvetan Todorov nota com razão que se Ulisses não tivesse vencido as Sereias, isto é, se tivesse cedido a seus encantos e, portanto, morrido, nunca poderia ter delas falado: não haveria nem Odisséia nem narração poética. E nós não saberíamos nem da existência das Sereias nem da beleza do seu canto. Vencedor das Sereias, Ulisses também delas é herdeiro. Na corte do Rei Alcino, ao tomar a palavra e narrar suas aventuras, o herói se transforma em poeta: naquele que evoca, simultaneamente, a beleza do canto e a perda do seu poder.

Notas
1 – O marxismo tardio. Adorno, ou a persistência da dialética, Unesp/Boitempo. Lembro aqui que, apesar de a Dialética do Esclarecimento ser uma obra escrita a quatro mãos, as pesquisas dos manuscritos mostram que a interpretação da Odisséia foi primeiro um esboço concebido por Adorno e depois redigido e corrigido com Horkheimer e que a teoria da arte ali presente pode, portanto, ser interpretada no quadro maior da reflexão estética de Adorno.
2 – Não vou aqui entrar na espinhosa questão da condenação de vários gêneros musicais, como por exemplo o jazz, por Adorno. Só me interessa apontar para a função da indústria cultural dentro desta reflexão.

Publicado em Revista Cult, Ano VI, no. 72, pp. 51-55
Fonte: http://antivalor.atspace.com/outros/gagnebinindex.htm

*Possui graduação em Filosofia pela Université de Genève (1973), doutorado em Filosofia pela Universität Heidelberg (Ruprecht-Karls) (1978), pos-doutorado pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (1988), pos-doutorado pela Universität Konstanz (1990), pos-doutorado pela Freie Universität Berlin (1996), pos-doutorado pela Zentrum für Literaturforschung (Berlin) (2000) e pos-doutorado pela Ecole Normale Supérieure (Paris) (2006). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Livre-docente da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Filosofia , com ênfase em História da Filosofia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Walter Benjamin, Filosofia da História, Filosofia e Literatura, Paul Ricoeur.
(Fonte: http://www.ifch.unicamp.br/pos/filosofia/index.php?texto=jeanne&menu=menudocente)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Política Deliberativa de Habermas

Autor: Aylton Barbieri Durão*


RESUMO – Para responder às sociologias desencantadas modernas, como a teoria da decisão racional e a teoria dos sistemas, as quais recordam os inevitáveis momentos de inércia que dificultam a deliberação racional, Habermas imagina uma reconstrução sociológica da democracia deliberativa que divide a sociedade em um centro, formado pelas instituições do estado de direito, as quais tomam decisões, e uma periferia, constituída pela esfera pública, em que surge a opinião pública a partir dos problemas oriundos da esfera privada e que, em condições extraordinárias, pode reverter o fluxo do poder e impor o poder comunicativo sobre as instâncias do estado de direito.

* Professor Adjunto do PPG em Filosofia da UFSC.

Texto na íntegra: Aqui

quinta-feira, 28 de julho de 2011

NOTA CURTA SOBRE UMA INJUSTIÇA TEOLÓGICA

Autor: Romero Venâncio*

Se Deus por um só momento tivesse me perguntado alguma coisa sobre o destino de Amy Winehouse, teria lhe dito o seguinte: Senhor, que de todas as drogas utilizadas por Amy, fique nela apenas o prazer e que a overdose vá toda para "Lady" GaGa. Esta sim, já deveria ter morrido há muito tempo ou nem nascido. Lamento em muito esta injustiça teológica, a saber, a morte de Winehouse: Voz semi-rouca, que mais lembrava uma diva do Jazz (tipo Billie Holiday ou Nina Simone); letras inteligentes, irônicas e criticas a seu modo; penteado a la Brigitte Bardot no final dos anos 60; Traços existencialistas da pop Juliette Gréco e uma beleza disforme e bem estranha para os padrões do "mercado estético mundial". Aquela simplicidade do rock inglês suburbano que faz algum sucesso vai se perdendo sem Amy Winehouse e os amantes da boa música perdem a irreverência desta "inglesinha  judia de parafuso solto" num mundo que cada vez mais faz apologia do bom-mocismo e do comportamento de idiotas. Isto serve ao Capital...
Em tudo, Amy nos lembra Billie, a Holiday. esta negra genial, pobre, prostituída, vulnerável e com uma voz lânguida e vigorosa e que desde as ruas do Harlem até as prestigiosas salas de espetáculo lutou a vida inteira para se impor... Sexo, álcool, drogas várias, Lady Day e Lady Amy experimentaram quase todas, mas foi no palco e nas ruas, cantando extra-ordinariamente, que elas viveram a experiência do verdadeiro amor e da breve luz da liberdade. Morreram tragicamente, porque viveram perigosamente e responderam radicalmente aquela pergunta do personagem de William Faulkner: "Entre o sofrimento e o nada, o que prefere?", elas responderam: o sofrimento. Ousaram, marcaram suas passagens na terra. Não foram medíocres e isto basta para um só ser humano.

*Possui graduação e licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (1994) e mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (1997). Doutor em Filosofia pela UFPE/UFPB/UFRN (2010). Atualmente é professor adjunto I no Departamento de Filosofia e professor efetivo desde 1998 da Universidade Federal de Sergipe, atuando principalmente nas seguintes áreas: Filosofia Contemporânea, Estética, Teoria do Cinema e Filosofia da Religião.

**Publicação autorizada pelo autor.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

El hombre y el mito

Autor: José Carlos Mariátegui *


I
Todas las investigaciones de la inteligencia contemporánea sobre la crisis mundial desembocan en esta unánime conclusión: la civilización  burguesa sufre la falta de un mito, de una fe, de una esperanza.  Falta que es la expresión de su qiebra material . La experiencia racionalista ha tenido esta paradógica eficacia de conducir a la humanidad a la desconsolada convicción de que la Razón no puede darle ningún camino. El racionalismo no ha servido sino para desacreditar a la razón. A la idea Libertad, ha dicho Mussolini, la han muerto los demagogos. Más exacto es, sin duda, que a la idea Razón la han muerto los racionalistas. La Razón ha extirpado del alma de la civilización burguesa los residuos de sus antiguos mitos. El hombre occidental ha colocado, durante algún tiempo, en el retablo de los dioses muertos, a la Razón y a la Ciencia. Pero ni la Razón ni la Ciencia pueden ser un mito. Ni la Razón ni la Ciencia pueden satisfacer toda la necesidad de infinito que hay en el hombre. La propia Razón se ha encargado de demostrar a los hombres que ella no les basta. Que únicamente el Mito posee la preciosa virtud de llenar su yo profundo.
La Razón y la Ciencia han corroído y han disuelto el prestigio de las antiguas religiones.
Eucken en su libro sobre el sentido y el valor de la vida, explica clara y certeramente el me canismo de este trabajo disolvente. Las creacio nes de la ciencia han dado al hombre una sensación nueva de su potencia. El hombre, antes sobrecogido ante lo sobrenatural, se ha descubierto de pronto un exorbitante poder para corregir y rectificar la Naturaleza. Esta sensación ha desalojado de su alma las raíces de la vieja metafísica.
Pero el hombre, como la filosofía lo define, es un animal metafísico. No se vive fecundamente sin una concepción metafísica de la vida. El mito mueve al hombre en la historia. Sin un mito la exrstenciá del hombre nó tiene ningún sentido histórico. La historia la hacen los hombres po seídos e iluminados por una creencia superior, por una esperanza super-humana; los demás hombres son el coro anónimo del drama. La crisis de la civilización burguesa apareció evidente desde el instante en que esta civilización constató su carencia de un mito. Renán remarcaba melancólicamente, en tiempos de orgulloso positivismo, la decadencia de la religión, y se inquie taba por el porvenir de la civilización europea. "Las personas religiosas – escribía - viven de una sombra. ¿De qué se vivirá después de nosotros?" La desolada interrogación aguarda una respuesta todavía.
La civilización burguesa ha caído en el escepticismo. La guerra pareció reanimar los mitos de la revolución liberal: la Libertad, la Demo Gracia, la Paz. Mas la burguesía aliada los sacri­icó, en seguida, a sus intereses y a sus rencores en la conferencia de Versalles. El rejuvenecimiento de esos mitos sirvió, sin embargo, para que la revolución liberal concluyese de cumplirse en Europa. Su invocación condenó a muerte los rezagos de feudalidad y de absolutismo sobrevivientes aún en la Europa Central, en Rusia y en Turquía. Y, sobre todo, la guerra probó una vez más, fehaciente y trágica, el valor del mito. Los pueblos capaces de la victoria fueron los pueblos capaces de un Mito multitudinario.
II
El hombre contemporáneo  siente la perentoria necesidad de un mito. El escepticismo es fécundo y el hombre no se conforma con la infecundidad. Una exasperada y a veces impotente "voluntad de creer", tan aguda en el hombre post-bélico era ya intensa y categórica en el hombre pre-bélico. Un poema de Henri Frank, La Danza delante del Arca, es el documento que tengo más a la mano respecto del estado de ánimo de la literatura de los últimos años pre-bélicos. En este poema late una grande y honda emoción. Por esto, sobre todo, quiero citarlo. Henri Frank nos dice su profunda "voluntad de creer". Jsraelita, trata, primero, de encender en su alma la fe en el dios dz Israel. El intento es vano. Las palabras del Dios de sus padres suenan extrañas en esta época. El poeta no las comprende. Se declara sordo a su sentido. Hombre moderno, el verbo del Sinaí no puede captarlo. La fe muerta no es capaz de resucitar. Pesan sobre eila veinte siglos. "Israel ha muerto de haber dado un Dios al mundo". La voz del mundo moderno propone su mito ficticio y precario: la Razón. Pero Henri Frank no puede aceptarlo. "La Razón – disse - la razón no es el universo". "La raíson sons Dieu c'est la chambre saos lampe",
El poeta parte en busca de Dios. Tiene urgencia de satisfacer su sed de infinito y de eternidad. Pero la peregrinación es infructuosa. El peregrino querría contentarse con la ilusión cotidiana. "¡Ah! sache franchement saisir de tout moment - la fuyante fumée et le suc éphéniére". Finalmente piensa que "la verdad es el entusiasmo rin esperanza". El hombre porta su verdad en sí mismo. "Si l'Arche est vide oú tu pensais trouver la loi, riera n'est réel que ta danse".
III
Los filósofos nos aportan una verdad análoga a la de los poetas. La filosofía contemporánea ha barrido el mediocre edificio positivista. Ha esclarecido y demarcado los modestos confines de la razón. Y ha formulado las actuales teorías del Mito y de la Acción. Inútil es, según estas teorías, buscar una verdad absoluta. La verdad de hoy no será la verdad de mañana. Una verdad es válida sólo para una época. Contentémo­nos con una verdad relativa.
Pero este lenguaje relativista no es asequible, no es inteligible para el vulgo. El vulgo no sutiliza tanto. El hombre se resiste a seguir una verdad migras no la cree absoluta y suprema. Es en vano recomendarle la excelencia de la fe, del mito,  de la acción. Hay que proponerle una fe, una acción. ¿Dónde encontrar el mito capaz de reanimar espiritualmente el orden que tramonta?
La pregunta exaspera la anarquía intelectual, la anarquía espiritual de la civilización burguesa. Algunas almas pugnan por restaurar el Medio Evo y el ideal católico. Otras trabajan por un retorno al Renacimiento y al ideal clásico. El fascismo, por boca de sus teóricos, se atribuye una mentalidad medioeval y católica; cree representar el espíritu de la Contra-Reforma; aunque por otra parte, pretende encarnar la idea de la Nación, idea típicamente liberal. La teorización parece complacerse en la invención de los más alambicados sofismas. Mas todos los intentos de resucitar mitos pretéritos resultan, en seguida, destinados al fracaso. Cada época quiere tener una intuición propia del mundo. Nada más estéril que pretender reanimar un mito extinto. Jean R. Bloch, en un artículo publicado en la revista Europe, escribe a este respecto palabras de profunda verdad. En la catedral de Chartres ha sentido la voz maravillosamente creyente del lejano Medio Evo. Pero advierte cuánto y cómo esa voz es extraña a las preocupaciones de esta época.
"Sería una locura – escriba e - pensar que la misma fe repetiría el mismo milagro. Buscad a vuestro alrededor, en alguna parte, una mística nueva, activa, susceptible de milagros, apta a llenar a los desgraciados de esperanza, a suscitar mártires y a transformar el mundo con promesas de bondad y de virtud. Cuando la habréis encontrado, designado, nombrado, no seréis absolutamente el mismo hombre".
Ortega y Gasset habla del "alma desencantada". Romain Rolland habla del "alma encantada". ¿Cuál de los dos tiene razón? Ambas almas coexisten. El "alma desencantada" de Ortega y Gasset es el alma de la decadente civilización burguesa. El "alma encantada" de Romain Rolland es el alma de los forjadores de la nueva civilización. Ortega y Gasset no ve sino el ocaso, el tramonto, der Untergang. Romain Rolland ve el orto, el alba, der Aurgang. Lo que más neta y claramente diferencia en esta época a la burgue­sía y al proletariado es el mito. La burguesía no tiene ya mito alguno. Se ha vuelto incrédula, escéptica, nihilista. El mito liberal renacentista, ha envejecido demasiado. El proletariado tiene un mito: la revolución social. Hacia ese mito se mueve se mueve con una fe vehemente y activa. La burguesía niega; el proletariado afirma. La inteligencia burguesa se entretiene en una crítica racionalista del método, de la teoría, de la técnica de los revolucionarios. ¡Qué incomprensión! La fuerza de los revolucionarios no está en su ciencia: está en su fe, en su pasión, en  su voluntad. Es una fuerza  religiosa, mística, éspirituál. Es la fuerza del Mito. La emoción revolucionaria, como escribí en un artículo sobre Gandhi, es una emoción religiosa. Los motivos religiosos se han desplazado del cielo a la tierra. No son divinos; son humanos, son sociales**.
Hace algún tiempo que se constata el carácter religioso, místico, metafísico del socialismo. Jorge Sorel, uno de los más altos representantes del pensamiento francés del Siglo XX; decía en sus Reflexiones sobre la Violencia: "Se ha encontrado una analogía entre la religión y el socialismo revolucionario, que se propone la preparación y aún la reconstrucción del individuo para una obra gigantesca. Pero Bergson nos ha enseñado que no sólo la religión puede ocupar la región del yo profundo; los mitos revolucionarios pueden también ocuparla con el mismo título". Renán, como el mismo Sorel lo recuerda, advertía la fe religiosa de los socialistas, constatando su inexpugnabilidad a todo desaliento. "A cada experiencia frustrada, recomienzan. No han encontrado la solución: la encontrarán. Jamás los asalta la idea de que la solución no exista. He ahí su fuerza".
La misma filosofía que nos enseña la necesidad del mito y de la fe, resulta incapaz generalmente de comprender la fe y el mito de los nuevos tiempos. "Miseria de la filosofía", coma decía Marx. Los profesionales de la Inteligencia no encontrarán el camino de la fe; lo encontrarán las multitudes. A los filósofos les tocará, más tarde, codificar el pensamiento que emerja de la gran gesta multitudinaria. ¿Supieron acaso los filósofos de la decadencia romana comprender el lenguaje del cristianismo? La filosofía de la de cadencia burguesa no puede tener mejor destino.

* Publicado en Mundial: Lima, 16 de Enero de 1925. Trascrito en Amauta, Nº 31 (págs. 1-4), Lima,*  Junio-Julio de 1930: Romance, Nº 6, México, 15 de Abril de 1940 (con ex­cepción de algunos párrafos); Jornada, Lima 14 de Enero de 1946. E incluido en la antología de José Carlos Mariátegui, que la Universidad Nacional de México editó, en 1937, como segundo volumen de su serie de "'Pensadores de América ­(págs. 119.124).

José Carlos Mariátegui La Chira

José Carlos Mariátegui La Chira (Moquegua, 14 de junio de 1894 - Lima, 16 de abril de 1930), fue un escritor, sociólogo y político socialista peruano. Su obra más conocida es 7 ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana. Es fundador del Partido Socialista Peruano en 1928.

Visión del país
La Conquista no sólo escindió la historia del Perú, sino también escindió la economía. Antes de la llegada de los españoles existía una economía comunista indígena, que era bastante sólida. Existía un bienestar material gracias a la organización colectivista de la sociedad incaica. Esta organización había enervado el impulso individual y a la vez había desarrollado el hábito de la obediencia al deber social.
La Conquista instauró así una economía de carácter feudal. No buscaban desarrollar una economía sólida sino sólo la explotación de los recursos naturales. Es decir, los españoles no se formaron como una fuerza colonizadora (como los ingleses en Estados Unidos), sino que se constituyeron como una pequeña corte, una burocracia. Este sistema terminó determinando la economía republicana.
La política económica de la Corona Española impedía el surgimiento de una burguesía en las colonias. Estas vieron necesaria la independencia para asegurar su desarrollo. La independencia se decide entonces por las necesidades del desarrollo capitalista, en ese sentido, Inglaterra cumplió un papel fundamental al apoyar a las nacientes naciones americanas.
Para Mariátegui, el gamonal invalida inevitablemente toda ley u ordenanza de protección del indígena o del campesino. Contra la autoridad del hacendado sostenida por el ambiente y el hábito, es impotente la ley escrita. El alcalde o el presidente municipal, concejo o ayuntamiento, el juez, el corregidor, el inspector, el comisario, el recaudador, la policía y el ejército están enfeudados a la gran propiedad. "La ley no puede prevalecer contra los gamonales. El funcionario que se obstinase en imponerla, sería abandonado y sacrificado por el poder central, cerca del cual son siempre omnipotentes las influencias del gamonalismo, que actúan directamente o a través del parlamento, por una y otra vía con la misma eficacia".
Es importante esclarecer la solidaridad y el compromiso a que gradualmente han llegado el gamonalismo regional y el régimen central: "de todos los defectos, de todos los vicios del régimen central, el gamonalismo es responsable y solidario". El gamonal es una pieza en la estructura de la administración centralizada: es el jefe local de uno de los partidos políticos de influencia nacional y es el eslabón fundamental en la cadena de una de las muchas clientelas del sistema político. El poder central recompensa al gamonal al permitirle disfrutar de innumerables contratos y alcabalas y actualmente, al dejar en sus manos las regalías que produce la explotación de recursos naturales por las multinacionales e innumerables contratos para complementarlas. En estas condiciones, cualquier descentralización termina con el resultado esencial de un acrecentamiento del poder del gamonalismo.
El guano y el salitre cumplieron un rol fundamental en el desarrollo de la economía peruana. Estos productos aumentaron rápidamente la riqueza del Estado, ya que la Europa industrial necesitaba estos recursos para mantener su productividad agrícola, productos que el Perú poseía en monopolio. Esta riqueza fue despilfarrada por el Estado Peruano. Pero permitió la aparición del capital comercial y bancario. Se empezó a constituir una clase capitalista, pero cuyo origen se encontraba en la vieja aristocracia peruana. Estos productos también permitieron la consolidación del poder de la costa, ya que hasta entonces, la minería había configurado a la economía peruana un carácter serrano. En síntesis, el guano y el salitre permitieron la transformación de la economía peruana de un sistema feudal a un sistema capitalista.
Las nuevas naciones buscaron desarrollar el comercio. América Latina vendía sus recursos naturales y compraba productos manufacturados de Europa, generando un sistema que beneficiaba principalmente a las naciones europeas. Este sistema, permitió el desarrollo sólo a los países Atlánticos, ya que las distancias eran enormes para los países que se encontraban en la costa del pacífico como el caso del Perú. El Perú en cambio, comenzó a comerciar con el Asia, pero no logró el mismo desarrollo que los países del Atlántico.
Además, con la Guerra del Pacífico el Perú perdió el guano y el salitre. Pero esta guerra también significó la paralización de toda la producción nacional y el comercio, así como la pérdida del crédito exterior. El poder cayó temporalmente en manos de los militares, pero la burguesía limeña pronto recuperó su función. Se planteó el Contrato Grace como una medida para salir de la crisis. Este contrato consolidó el predominio británico en el Perú, al entregar en concesión los ferrocarriles por un periodo de 99 años.

El fascismo
Por su parte, mostró cómo el fascismo no era una "excepción" italiana o un "cataclismo", sino un fenómeno internacional "posible dentro de la lógica de la historia", del desarrollo de los monopolios en el imperialismo y de su necesidad de derrotar la lucha del proletariado. Mariátegui vio el fascismo como una respuesta del gran capital a una crisis social profunda, como la expresión de que la clase dominante no se siente ya suficientemente defendida por sus instituciones democráticas por lo que culpa ante las masas de todos los males de la patria, al régimen parlamentario y a la lucha revolucionaria, y desata el culto a la violencia y al nuevo orden del estado fascista, concebido como estructura autoritaria vertical de corporaciones. Mariátegui vislumbró cómo el triunfo del fascismo estaba inevitablemente destinado a exasperar la crisis europea y mundial.

domingo, 24 de julho de 2011

Karl Marx

Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de março de 1883) foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista.
O pensamento de Marx influencia várias áreas, tais como Filosofia, Geografia, História, Direito, Sociologia, Literatura, Pedagogia, Ciência Política, Antropologia, Biologia, Psicologia, Economia, Teologia, Comunicação, Administração, Design, Arquitetura, e outras. Em uma pesquisa realizada pela Radio 4, da BBC, em 2005, foi eleito o maior filósofo de todos os tempos.


sábado, 23 de julho de 2011

A Questão Judaica

Autor: Karl MARX
Tradução: Artur Morão


1. BRUNO BAUER, A QUESTÃO JUDAICA

Os judeus alemães buscam a emancipação. Que emancipação desejam eles? A emancipação civil, política.

Responde-lhes Bruno Bauer: na Alemanha, ninguém é politicamente emancipado. Também nós não somos livres. Como poderemos libertar-vos? Vós, judeus, sois egoístas se para vós, como judeus, pedirdes uma emancipação especial. Como alemães, deveríeis trabalhar pela emancipação política da Alemanha e, como homens, pela emancipação da humanidade. Deveríeis sentir o tipo particular da vossa opressão e do vosso opróbrio, não como exceção à regra, mas como confirmação da regra.

Ou pretenderão antes os judeus ser colocados em pé de igualdade com os súbditos cristãos? Se reconhecem o Estado cristão como legalmente estabelecido, reconhecem também o regime de geral escravidão. Porque seria, então, penosa a opressão particular, se aceitam a opressão geral? Por que razão deve o alemão estar interessado na libertação do judeu, se o judeu não se interessa pela libertação do alemão?

O Estado cristão sabe apenas de privilégios. Neste Estado, também o judeu possui o privilégio de ser judeu. Enquanto judeu, tem privilégios que os cristãos não possuem. Porque deseja ele direitos que não tem, mas de que os cristãos usufruem?

Fonte: www.lusofia.net
Texto na íntegra: Aqui

Destino e Caráter

Autor: Walter Benjamin
Tradução: João Barrento


Destino e carácter são muitas vezes vistos em ligação causal, sendo o carácter referido como causa do destino. O que está subjacente a esta ideia é o seguinte: se, por um lado, o carácter de uma pessoa, ou seja, também o seu modo de reagir, fosse conhecido em todos os seus pormenores, e se, por outro lado, o acontecer universal fosse conhecido nos domínios em que se aproxima daquele carácter, seria possível prever exactamente, tanto o que aconteceria a esse carácter como o que ele seria capaz de realizar. Por outras palavras, poderíamos conhecer o seu destino. As concepções dominantes hoje não possibilitam um acesso mental directo ao conceito de destino. Por isso, o homem moderno, aceita a ideia de o carácter poder ser lido a partir dos traços físicos de uma pessoa, porque encontra de algum modo em si mesmo esse saber do carácter, enquanto a ideia análoga de ler o destino a partir das linhas da mão lhe parece inaceitável. Isto parece tão impossível como «prever o futuro»: nesta categoria inclui-se, sem mais, a previsão do destino, enquanto o carácter surge como algo que se situa no presente e no passado, como algo de reconhecível, portanto. Acontece, porém, que precisamente aqueles que se empenham em predizer o destino a partir dos mais diversos sinais afirmam que isso é imediatamente reconhecível ou, numa expressão mais prudente, está disponível para aqueles que sabem ler esses sinais (que encontram em si um saber absoluto e imediato do destino). A suposição de que o «estar disponível» de um qualquer destino futuro não contradiz, nem o conceito de destino, nem as capacidades cognitivas do homem para a sua predição, não é, como se verá, de todo absurda. De facto, tal como o carácter, também o destino só é perceptível por meio de sinais, e não em si mesmo, pois – apesar de este ou aquele traço de carácter, esta ou aquela trama do destino, poder estar directamente debaixo dos nossos olhos – o contexto em que aqueles conceitos são usados nunca pode «estar disponível» a não ser por meio de sinais, porque se situa acima do imediatamente visível. O sistema de sinais caracteriológicos é em geral limitado ao corpo, se exceptuarmos o significado caracteriológico daqueles sinais que o horóscopo explora; de acordo com a tradição, os sinais do destino podem encontrar-se, para além do corpo, também em todos os fenómenos da vida exterior. Mas a relação entre o sinal e aquilo que é sinalizado constitui em ambas as esferas um problema igualmente fechado e complexo, mas diferente nos dois casos, porque, apesar de toda a observação superficial e de todas as falsas interpretações dos sinais, eles não podem, em nenhum dos sistemas, carácter ou destino, gerar significação com base em relações causais. Uma relação de sentido nunca pode ter um fundamento causal, ainda que no caso presente aqueles sinais, na sua existência, possam ter sido suscitados de forma causal pelo destino e pelo carácter. No que se segue não vamos investigar de que modo se manifesta um tal sistema de sinais para o carácter e para o destino; a reflexão centrar-se-á exclusivamente no objecto sinalizado.

Fonte: www.lusofia.net
Texto na íntegra: Aqui

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O filósofo mascarado

Michael Focault
Tradução: Selvino José Assmann


Le Philosophe masqué (entrevista a C. Delacampagne) em ‘Le Monde" n. 10945, de 06 de abril de 1980: "Le Monde-Dimanche", pp. I e XVII.

Em janeiro de 1980, Christian Delacampagne decidiu pedir a Foucault uma longa entrevista para o suplemento dominical de "Le Monde", dedicado principalmente aos debates culturais. Foucault aceitou imediatamente, mas apresentou uma condição de princípio: a entrevista deveria ficar anônima, o seu nome não deveria aparecer e importava eliminar todos os indícios que teriam permitido identificar a sua pessoa. Foucault justificou esta posição da seguinte maneira: a cena intelectual tornou-se presa da mídia, as "estrelas" prevalecem sobre as idéias, e o pensamento como tal acaba não sendo reconhecido; conseqüência disso é que aquilo que se diz conta menos do que a personalidade de quem fala. E também este tipo de crítica com relação à "midiatização" corre o risco de ser menosprezada, caso for pronunciada por alguém que, sem querê-lo, já ocupa um lugar no sistema da mídia, como era o caso de Foucault. A fim de romper com semelhantes efeitos perversos e para tentar que fosse dita uma palavra que não pudesse ser aniquilada pelo fama do autor, convinha decidir-se a entrar no anonimato. A idéia agradou a Delacampgne. Acordaram que a entrevista fosse feita a um "filósofo mascarado", isento de uma precisa identidade. Faltava convencer "Le Monde", que queria uma entrevista com Foucault, a aceitar um texto de "ninguém". Foi difícil, mas Foucault mostrou-se inflexível.
O segredo foi conservado até à morte de Foucault. Parece que bem poucos conseguiram descobri-lo. Em seguida, "Le Monde" e a editora La Découverte concordaram em juntar em volume esta entrevista com outros textos do mesmo autor. Conforme acontece nestes casos, "Le Monde" decidiu unilateralmente revelar o verdadeiro nome do "filósofo mascarado". O texto da entrevista cabe integralmente a Foucault, que elaborou inclusive as perguntas, junto com Delacampagne, e reescreveu com muito cuidado cada resposta. 

Permita-me, em primeiro lugar, perguntar-lhe por que escolhe o anonimato.
Imagino que você conheça a história daqueles psicólogos que apresentaram breve filme numa localidade no coração da África profunda. Pedem aos espectadores que narrem a história da forma como a entenderam. Pois bem, de um drama com três personagens, só uma coisa os havia interessado: a passagem das sombras e das luzes através das árvores.
Entre nós, os personagens ditam lei à percepção. Os olhos voltam-se preferivelmente para as figuras que vão e vêm, aparecem e desaparecem.
Por que lhe sugeri de usar o anonimato? Por saudades do tempo em que eu era absolutamente desconhecido e, portanto, aquilo que dizia tinha alguma possibilidade de ser entendido. O contato imediato com o eventual leitor não sofria interferências. Os efeitos do livro refletiam-se em lugares imprevistos e desenhavam formas a que nunca havia pensado. O nome constitui uma facilitação.
Gostaria de propor um jogo: o do "ano sem nome". Por um ano publicar-se-iam apenas livros sem o nome do autor. Os críticos deveriam haver-se com uma produção completamente anônima. Mas penso que, talvez, não teriam nada a dizer: todos os autores esperariam o ano sucessivo para publicarem os seus livros...

Você acredita que, hoje, os intelectuais falam demais? Que nos atrapalham com os seus discursos diante de qualquer mínimo pretexto e, muitas vezes, até mesmo sem pretexto algum?
A morte dos intelectuais parece-me um estranho conceito. Intelectuais, nunca os encontrei. Encontrei pessoas que escrevem romances e pessoas que curam os doentes. Pessoas que estudam economia e pessoas que compõem música eletrônica. Encontrei pessoas que ensinam, pessoas que pintam e pessoas de quem não entendi se faziam alguma coisa. Mas nunca encontrei intelectuais.
Pelo contrário, encontrei muitas pessoas que falam do intelectual. E, por escutá-los tanto, construí para mim uma idéia de que tipo de animal se trata. Não é difícil, é o culpado. Culpado um pouco de tudo: de falar, de silenciar, de não fazer nada, de meter-se em tudo... Em suma, o intelectual é a matéria-prima a julgar, a condenar, a excluir...
Não penso que os intelectuais falem demais, porque para mim não existem. Mas penso que o discurso sobre os intelectuais esteja passando do limite e seja pouco encorajante.
Tenho uma feia mania. Quando as pessoas falam tanto por falar, quando fazem discursos que ficam no ar, procuro imaginar onde levariam as suas palavras se fossem transcritas na realidade. Quando "criticam" alguém, quando "denunciam" as suas idéias, quando "condenam" o que escreve, imagino-os numa situação ideal em que têm pleno poder sobre ele. Reproduzo as suas palavras no primeiro significado: "demolir", "abater", "reduzir ao silêncio", "sepultar". E vejo abrir-se a radiante cidade em que o intelectual certamente seria prisioneiro e enforcado, com maior razão se fosse um teórico. É verdade, não vivemos em uma região em que os intelectuais são mandados ao diabo; mas, na realidade, diga-me, por acaso ouviu falar de um certo Toni Negri? Por acaso não está na prisão exatamente enquanto intelectual?

Texto na íntegra Aqui

Fonte: FOUCAULT, Michel. Archivio Foucault. Vol. 3. Estetica dell’esistenza, etica, politica. A cura di Alessandro Pandolfi. Milano, Feltrinelli, 1994, pp. 137-144.

Michael Focault

 Michel Foucault (Poitiers, 15 de outubro de 1926 — Paris, 25 de junho de 1984) foi um importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Todo o seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Seu trabalho também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação.
Foucault é amplamente conhecido pelas suas críticas às instituições sociais, especialmente à psiquiatria, à medicina, às prisões, e por suas ideias e da evolução da história da sexualidade, as suas teorias gerais relativas à energia e à complexa relação entre poder e conhecimento, bem como para estudar a expressão do discurso em relação à história do pensamento ocidental, e tem sido amplamente discutido, a imagem da "morte do homem" anunciada em "As Palavras e Coisas", ou a ideia de subjetivação, reativada no interesse próprio de uma forma ainda problemática para a filosofia clássica do sujeito. Parece então que mais do que em análises da "identidade", por definição, estáticas e objetivadas, Foucault centra-se na "vida" e nos diferentes processos de subjetivação.
Se seu trabalho é muitas vezes descrito como pós-moderno ou pós-estruturalista, por comentadores e críticos contemporâneos, ele foi mais frequentemente associado com o movimento estruturalista, especialmente nos primeiros anos após a publicação de "As Palavras e as Coisas". Inicialmente aceitou a filiação, posteriormente, ele marcou a sua distância à abordagem estruturalista, explicando que ao contrário desta última, não tinha adaptado uma abordagem formalista. Ele aceitou não ver o rótulo de pós-modernista aplicado ao seu trabalho, dizendo que preferia discutir como a definição de "modernidade" em si. Sua filiação intelectual pode estar relacionada ao modo como ele próprio definiu as funções do intelectual não garante certos valores, mas em questão de ver e dizer, seguindo um modelo de resposta intuitiva para o "intolerável .
As teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes termos, motivo pelo qual é considerado por certos autores, contrariando a própria opinião de si mesmo, um pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da Loucura, O Nascimento da Clínica, As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber) seguem uma linha pós-estruturalista, o que não impede que seja considerado geralmente como um estruturalista devido a obras posteriores como Vigiar e Punir e A História da Sexualidade. Além desses livros, são publicadas hoje em dia transcrições de seus cursos realizados no Collège de France e inúmeras entrevistas, que auxiliam na introdução ao pensamento deste autor.
Michel Foucault é mais conhecido por ter destacado as formas de certas práticas das intituições em relação aos indivíduos. Ele destacou a grande semelhança nos modos de tratamento dado ou infligidos aos grandes grupos de indivíduos que constituem os limites do grupo social: os loucos, prisioneiros, alguns grupos de estrangeiros, soldados e crianças. Ele acredita que, em última análise, eles têm em comum a ser vistos com desconfiança e excluídos por uma regra em confinamento em instalações seguras, especializada, construída e organizada em modelos semelhantes (asilos, presídios, quartéis, escolas), inspirado no modelo monástico o que ele chamou de "instituição disciplinar".

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ariano Suassuna

Olá,
Imagino o quanto vocês estão estranhando o fato de Ariano Suassuna ser postado em um Blog de Filosofia Contemporânea, mas eu explico.
Estava eu aqui vagando pela net a procura do texto O Auto da Compadecida para traçar um paralelo com a peça O Mercador de Veneza quando me deparei com um tesouro – sim pessoal podemos encontrar um tesouro escondido, enterrado e concretado na net – e nesses tempos de Cordel Encantado global achei extremamente oportuno que a preciosidade encontrada fosse disponibilizada para o deleite de todos. Assim, sem mais delongas apresento-lhes o genial Suassuna e seus dois tesouros contemporâneos O Auto da Compadecida e a História de amor de Romeu e Julieta.
*Ariano Vilar Suassuna (João Pessoa, 16 de junho de 1927) é um dramaturgo, romancista e poeta brasileiro.

Auto da Compadecida Aqui

A história de amor de Romeu e Julieta
Imitação Brasileira de Matteo Bandello

Personas dramáticas:
Antero Savedra, 1º Coro
Quaderna, 2º Coro
O Duque Capuleto
O Conde Montéquio
Romeu, menino
Três carrascos
Romeu, adulto
Mercúcio
Músicos, bailarinos e bailarinas
Julieta
Teobaldo
O Padre
A Criada
Figurantes:
Verona - a cidade do Recife
Mântua - a cidade de Olinda

A ação decorre em Verona e Mântua, ou seja, no Recife e em Olinda.
Na versão teatral, deve ser instalado um pequeno palco dentro do maior. No menor é que surgirão os bonecos que, conduzidos por atores, repetirão, para Romeu, adulto, a cena que ele viu em criança. Também nele é que acontecerá a noite de núpcias de Romeu e Julieta.
Deve haver também, no palco maior, duas cadeiras, nas quais se sentarão Antero Savedra e Quaderna nos momentos em que o Coro emudece e falam os personagens.

Quaderna:
Vou contar, neste Romance,
a história de Romeu.
A sua curta existência,
e tudo o que padeceu.
Foi a história mais tocante
que a minha Pena escreveu.

É uma história conhecida
em quase toda Nação.
No Teatro e no Cinema,
tem causado sensação,
deixando amargas lembranças
no mais brutal coração.

O que sofreu Julieta,
quem, como eu, já tem lido,
todo o seu padecimento
como foi acontecido,
depois de seis, sete anos,
inda não está esquecido.

Verona, antiga cidade
da Província italiana,
foi berço dos Capuletos,
aquela raça tirana,
inimiga dos Montéquios,
família honesta e humana.

O Duque de Capuleto,
que tinha grande poder,
queria, ao Conde Montéquio,
aniquilar e vencer.
Os dois viviam sonhando
ver um ao outro morrer.

Ali, tudo era desgosto,
intriga e rivalidade.
Um dia, corre a notícia
que assombrou toda a cidade,
notícia que era o começo
da grande fatalidade.

Romeu tinha quatro anos
quando veio um pelotão,
mandado por Capuleto
por uma cruel traição.
Nesse dia foi Montéquio
trancado numa Prisão.

Ficou o Conde Montéquio
naquela Prisão sombria.
Ali, ele ignorava
se era de-noite ou de-dia.
Era preso e acorrentado:
nem se mexer não podia!


Montéquio:
Aqui estou acorrentado,
sem socorro de ninguém.
Aqui estou aprisionado,
sem saber como e por quem!
E, ah meu Deus, minha mulher
vem ali, presa também!

Que dor no meu coração
ao ver minha Esposa amada,
trazida por três Carrascos,
um de-lança, dois de-espada!
E ela com Romeu nos braços,
triste, só e abandonada!

Condessa:
Eu te abraço, meu Marido,
minhas queixas relatando!
Vê nosso filho Romeu
que, inocente, está chorando!

Capuleto:
Aqui é chegada a hora
de na Prisão ir entrando!

Montéquio, agora me pagas,
hoje eu hei de me vingar!
Um dia, jurei vingança
e agora vou te mostrar
o furor da minha ira
a que ponto vai chegar!

Estás aí, prisioneiro,
pra mim não tens cotação.
Vou decidir tua sorte,
tenha ou não tenha razão!
A vida de tua Esposa
está aqui, na minha mão!

Tua querida Mulher
vai morrer, para teu mal!
Talvez ela nem mereça
este golpe tão fatal.
Vai morrer em tua vista,
cravada por meu Punhal!

Montéquio:
Eu te digo, Capuleto:
tu roubaste o meu direito!
Prendeste-me à traição,
és um Duque sem conceito!
Mata-me a mim! Que ela viva,
e eu morrerei satisfeito!

Capuleto:
Montéquio, eu vou matá-la,
não adianta chorar!
Te odeio profundamente,
mas vivo vou te deixar,
para que a morte dela
tu sempre possas lembrar.

Condessa:
Ah, meu Deus, que sina triste!
Me sinto desfalecida!
Olho aqui para meu filho,
por ele choro, sentida,
pois vejo que não me resta
nem meia hora de vida!

Capuleto cochicha ao ouvido de um dos carrascos, o qual arranca Romeu dos braços da mãe.

Capuleto:
A teus pedidos, Montéquio,
meu sangue não atendeu!
Já ordenei ao Carrasco,
que logo me obedeceu!
Dos braços de sua Mãe
foi arrancado Romeu!

O Pai dele está aí,
infeliz e acorrentado!
Tu, Mulher, vem para cá,
aqui, pr'este outro lado,
que é pra teu Marido ver
como, em ti, serei vingado!

Eu já tirei meu Punhal,
que à cintura carregava.
Já cravo no peito dela
-era o que sempre jurava!-
e o Punhal já vai rangindo,
enquanto o sangue golfava!

Condessa:
Senhor Duque Capuleto,
seu coração é perverso!
Tenha dó do meu filhinho,
que ainda dorme de-berço!

Capuleto:
Não! Vou calcar o Punhal
para entrar até o terço!

Condessa:
Com a dor da punhalada
meu corpo se estremeceu!
Adeus, meu querido Esposo,
cuida do nosso Romeu!
Diz a Romeu que a Mãe dele,
sendo inocente, morreu!

Os músicos repetem a primeira frase do "Romance de Minervina".

Capuleto:
Já está morta a Condessa,
prostrada na Laje fria!
Vou arrancar o Punhal,
onde o sangue já esfria.
E mostro ao Marido dela
que foi como eu garantia!

Então, querido Montéquio,
já conheces quem sou eu?
Guarda o Punhal para ti:
agora o Punhal é teu!
Quando teu filho crescer,
dá de presente a Romeu!

O corpo, aqui, da Condessa,
não o deixo sepultar!
Vocês, Carrascos, o levem
pela rua, a se arrastar!
Depois, coloquem num saco
e joguem dentro do Mar!

Os músicos repetem a primeira frase do "Romance de Minervina".

Quaderna:
Aí, tendo praticado
tamanha barbaridade,
Capuleto foi pra casa.
Quando chegou à cidade,
deu ordem pra que Montéquio
fosse posto em liberdade.

Montéquio, desesperado,
saiu daquela Prisão,
dando uma mão para o filho,
com o Punhal na outra mão.
Foi chorar a sua sorte,
sozinho, na solidão.

-Dezesseis anos passaram!-

Romeu via sempre o Pai
muito triste, a suspirar.
O filho, no seu segredo
não podia penetrar.
Como o Pai nunca se abria,
Romeu não quis perguntar.

Quando o conde achou que o filho
era capaz de razão,
e, pr'a vingança, podia
tomar uma decisão,
chamou-o secretamente,
fez-lhe a comunicação.

Com os músicos tocando a primeira estrofe do "Romance de Minervina", abre-se a cortina do palco menor. O ator que faz Montéquio retira-se com Romeu para junto de Antero Savedra e Quaderna, e os quatro passam a formar uma espécie de pequeno público para a representação dos bonecos. A critério do encenador, a cena que se segue pode ser muda, caso em que os bonecos atuarão ao som da música, que continua.

Montéquio-boneco:
Aqui estou acorrentado,
sem socorro de ninguém.
Aqui estou aprisionado,
sem saber como e por quem!
E, ah meu Deus, minha Mulher
vem ali, presa também!

Que dor no meu coração
ao ver minha Esposa amada,
trazida por três Carrascos,
um de-lança, dois de-espada!
Ela com Romeu nos braços,
triste, só e abandonada!

Condessa-boneca:
Eu te abraço, meu Marido,
minhas queixas relatando!
Vê nosso filho Romeu
que, inocente, está chorando!

Capuleto-boneco:
Aqui é chegada a hora
de na Prisão ir entrando!

Montéquio, agora me pagas,
hoje eu hei de me vingar!
Um dia, jurei vingança,
e agora vou te mostrar
o furor da minha ira
a que ponto vai chegar!

Estás aí, prisioneiro,
pra mim não tens cotação.
Vou decidir tua sorte,
tenha ou não tenha razão!
A vida de tua Esposa
está aqui, na minha mão!

Tua querida Mulher
vai morrer, para teu mal!
Talvez ela nem mereça
este golpe tão fatal.
Vai morrer em tua vista,
cravada por meu Punhal!

Montéquio-boneco:
Eu te digo, Capuleto:
tu roubaste o meu direito!
Prendeste-me à traição,
és um Duque sem conceito!
Mata-me a mim! Que ela viva,
e eu morrerei satisfeito!

Capuleto-boneco:
Montéquio, eu vou matá-la,
não adianta chorar!
Te odeio profundamente,
mas vivo vou te deixar,
para que a morte dela
tu sempre possas lembrar.

Condessa-boneca:
Ah, meu Deus, que sina triste!
Me sinto desfalecida:
Olho aqui para meu filho,
por ele choro, sentida,
pois vejo que não me resta
nem meia hora de vida.

Aqui, os bonecos repetem a cena de Capuleto cochichando ao ouvido de um dos carrascos.

Capuleto-boneco:
A teus pedidos, Montéquio,
meu sangue não atendeu!
Já ordenei ao Carrasco,
que logo me obedeceu!
Dos braços de sua Mãe
foi arrancado Romeu!

O Pai dele está aí,
infeliz e acorrentado!
Tu, Mulher, vem para cá,
aqui, pr'este outro lado,
que é pra teu Marido ver
como, em ti, serei vingado!

Eu já tirei meu Punhal,
que à cintura carregava.
Já cravo no peito dela
-era o que sempre jurava!-
e o Punhal já vai rangindo,
enquanto o sangue golfava!

Condessa-boneca:
Senhor Duque Capuleto,
seu coração é perverso!
Tenha dó do meu filhinho,
que ainda dorme de-berço!

Capuleto-boneco:
Não! Vou calcar o Punhal
para entrar até o terço!

Condessa-boneca:
Com a dor da punhalada,
meu corpo se estremeceu!
Adeus, meu querido Esposo,
cuida do nosso Romeu!
Diz a Romeu que a Mãe dele,
sendo inocente, morreu!

Os músicos repetem a primeira frase do "Romance de Minervina".

Capuleto-boneco:
Já está morta a Condessa,
prostrada na Laje fria!
Vou arrancar o Punhal,
onde o sangue já esfria.
E mostro ao Marido dela
que foi como eu garantia!

Então, querido Montéquio,
já conheces quem sou eu?
Guarda o Punhal para ti:
agora o Punhal é teu!
Quando teu filho crescer,
dá, de-presente, a Romeu!

O corpo, aqui, da Condessa,
não o deixo sepultar!
Vocês, Carrascos, o levem
pela rua a se arrastar!
Depois, coloquem num saco
e joguem dentro do Mar!

Os músicos tocam a primeira frase e a primeira estrofe do "Romance de Minervina". Fecha-se a cortina do palco menor e Montéquio-ator continua a narração para o Romeu-ator.

Montéquio:
Romeu, foi este o Punhal
que a tua Mãe matou!
Faz hoje dezesseis anos
que tua Mãe expirou,
morta por este Punhal
que o próprio Duque cravou!

Ouve, meu filho, o que digo,
presta-me toda atenção!
O Duque de Capuleto
tem a nossa maldição,
pois tua Mãe, minha Esposa,
matou sem ter compaixão!

O Duque de Capuleto,
por meio de covardia,
mandou prender-me à traição,
pois eu de nada sabia!
Brutalmente me trancou
numa cruel Enxovia!

Depois, matou tua Mãe,
fez esta barbaridade!
Só então foi para casa,
e, ao chegar à cidade,
deu ordem para que eu fosse
colocado em liberdade.

Meu filho, foi quase morto
que eu saí da Prisão!
Uma mão eu dava a ti,
com o Punhal na outra mão!
Vim sofrer a dura sorte,
aqui nesta solidão!

Hoje inda choro, Romeu,
a nossa infelicidade!
Tenho te dado instrução
só por força de vontade!
Desde aquele dia vivo
fora da sociedade!

Isto que te digo agora
guardei na minha lembrança.
Passaram dezesseis anos,
eras ainda criança!
Meu filho, o tempo é chegado:
exijo nossa vingança!

É preciso que tu vingues
a tua Mãe malfadada!
Meu filho, toma o Punhal:
ela tem de ser vingada!

Parte, Romeu, sem demora!
Sai da sombra! Parte, vai!
Mata o Duque! Só assim
a minha dor se retrai!
Mata o duque! É o que te pede
o coração de teu Pai!

Romeu:
Eu recebo este Punhal
que o meu sangue derramou!
Beijando a Cruz de seu cabo,
juro o que meu Pai jurou!
Mato o Duque com o Punhal
que a minha Mãe me roubou!

Montéquio:
Recebo teu juramento
com muita satisfação,
pois vais cumprir a vingança
que te dei como missão!

Romeu:
Sim, eu juro a meu bom Pai
que vingo a sua Paixão!

Quaderna:
No outro dia, Romeu,
com um amigo dedicado,
viajou para Verona
e o castelo do Ducado.
Dizia para o amigo
que o Pai seria vingado.

Este amigo, de quem falo,
e que ia com Romeu,
junto a ele se criara,
junto com ele cresceu.
Eram como dois irmãos:
Mercúcio era o nome seu.

No dia em que os dois chegaram
lá nas terras do Ducado,
o aniversário da filha
do Duque era celebrado.
O Castelo estava em festa,
ricamente embandeirado.

Romeu saltou do cavalo
e combinou com o amigo.
Entraram lá, disfarçados,
naquele Castelo antigo,
pois ambos eram valentes,
não fugiam do perigo.

Os que estavam na festa,
tinham ido mascarados.
Assim fizeram os dois:
entraram fantasiados,
ambos de Castelo adentro,
em capotes, embuçados.

Dentro, tudo era alegria,
muitos rapazes dançavam.
Algumas moças, sentadas,
com seus noivos conversavam.
Tocavam alguns dos Músicos,
outros, alegres, cantavam.
Os atores e bailarinos dançam ao som de "Bernal Francês", que pode ser tocado com a música do "Romance da Bela Infanta", pois ela permite variação de ritmo.

Romance de Bernal Francês:

- Quem bate na minha porta?
Quem bate? Quem está aí?
É Dom Bernal Francês,
sua porta mande abrir!

- No deitar da minha Cama,
eu rompi o meu Frandil.
No descer da minha Escada,
me caiu o meu Chapim.
No abrir da minha Porta,
apagou-se o meu Candil.

Eu te pego pela mão,
te levo no meu Jardim,
te faço Cama de rosas,
travesseiro de Jasmim.
Te lavo em água-de-cheiro,
te deito em cima de mim.

- Deixem que volte de novo,
com minha Capa a cair.
Quero ver se a minha Dama
ainda lembra de mim!

- Tua Dama, Cavaleiro,
está morta, que eu já vi.
Os sinais que ela levava
vou dizer agora aqui.
Os sinos que lhe tocaram
por minha mão os tangi.
O Caixão em que a enterraram
era de ouro e marfim.

Palavras não eram ditas,
morre Bernal, no Jardim.
Esta foi a sua história,
foi este o seu triste fim.


Quaderna:
A filha de Capuleto,
a formosa Julieta,
dançava com um rapaz
que vestia roupa preta.
Tinha ao seio, por enfeite,
um cacho de violetas.

Romeu:
Meu Deus, estou encantado
com toda aquela beleza!
Aquela Moça parece
uma Fada, uma Princesa!
Mercúcio, quem é aquela?
Quem é aquela lindeza?

Mercúcio:
É filha de Capuleto!
O leque que ela trazia
caiu de sua bela mão,
quando, há pouco, se movia!

Romeu:
Eu vou lá! Vou apanhá-lo!
(Entregando o leque:)

O leque lhe pertencia?

Julieta:
Sim, o leque me pertence!
Muito obrigada, Senhor!
Em paga da gentileza
queira aceitar esta flor:
receba esta Violeta
em troca do seu favor!

Romeu:
Eu beijo esta doce Flor
de perfume delicado!
Vou guardá-la junto ao peito,
com todo amor e cuidado,
como se fosse uma Jóia
que aqui eu tivesse achado.

Eu não penso mais na jura
que fiz a meu velho Pai!
Pois o Amor é água pura
que em nossas almas cai,
e o desejo de vingança
na sede do Amor se esvai!

Deixe a dança, Julieta,
finja que vai passear.
Guardo comigo um segredo
que a você vou revelar.
Vá lá para a outra Sala:
me espere, que chego lá!

Julieta:
Sinto que empalideci,
que estou da cor de um Jasmim!
Para a outra Sala, não:
é melhor lá no Jardim!
Lá tu podes me dizer
o que desejas de mim!

Há pouco, quando falavas,
o meu peito estremecia!
Como te chamas?

Romeu:
Romeu!

Julieta:
Pois, Romeu, não sei se vias
que vieste me salvar
da tristeza em que eu vivia!
Que é que tens pra me dizer?

Romeu:
Escuta, linda Criança!
Eu vim tomar de teu Pai
a mais dura das vinganças.
Mas o Punhal com que eu vinha
deponho ante as tuas tranças!

Diante de tal beleza,
sinto meu peito chagado!
Por teus olhos verde-azuis,
eu fiquei enfeitiçado.
Eu estou louco de amor!
Estou cego, apaixonado!

Teu Pai matou minha Mãe,
quando eu era menino.
Jurei vingar essa morte,
porém decreta o Destino
que tudo seja esquecido,
ante teu rosto divino!

Serei perjuro! Jamais
a meu Pai eu voltarei!
A teus pés, divina imagem,
o teu Escravo serei!
Juro que junto de ti
viverei e morrerei!

Pois bem, Julieta: agora
eu quero este Amor selar!
Quero em tua linda boca
um beijo depositar!

Julieta:
O que é isto? Sem pudor,
eu já me deixo beijar?

Romeu:
Existe, só, um remédio
pra aliviar o pudor:
é repetirmos o beijo,
agora com mais calor!

Julieta:
Meu Deus, eu me sinto tonta!
Foi a dança ou é o Amor?

Romeu:
Julieta, quem é este
que sai ali, de um recanto,
pior que um Tigre feroz,
cheio de raiva e de espanto?


Julieta:
É o Marquês Teobaldo,
meu primo! Te odeia tanto!

Teobaldo:
Romeu, que fazes aqui?
Responde-me, miserável!
Que vieste procurar?
Teu sangue é sangue execrável!
Sai daqui, senão a morte
é teu fim inevitável!

Julieta, vai também,
senão serás arrastada!

Julieta:
Não, Romeu, não lhe respondas!
Meu primo, guarda a Espada!

Teobaldo:
Não desobedecerás
à minha ordem, já dada!

Romeu:
Teobaldo, Teobaldo!
Não toques nem sua mão!
Se tu deres mais um passo,
cairás morto no chão!
Pois minha Espada certeira
cortará teu Coração!

Os dois lutam.

Julieta:
Meu Deus! Romeu e Teobaldo
cruzam já suas Espadas!
Já sinto que vou cair
sobre o solo desmaiada!

Cai, Romeu mata Teobaldo. Julieta recobra os sentidos.

Meu Deus, o que se passou?
A luta está terminada!

Teobaldo já caiu,
por um golpe traspassado!
O pano de sua roupa
já está de sangue molhado!
E Romeu, de pé, contempla
o seu ferro ensanguentado!

Já lá chega, do Castelo,
o pessoal que dançava!

Capuleto:
O que foi que houve aqui?
Quem foi que tais gritos dava?
O quê? Teobaldo morto?
Meu sobrinho que eu amava?

Prendam já este assassino
e levem para a Prisão!
Vai ser condenado à morte,
sem demora e sem perdão!
Quem derramou o meu sangue
não merece compaixão!

Os músicos tocam "A Rosa Roseira".

Quaderna:
Fazia, já, sete dias
que Romeu fora detido,
quando, uma noite, ele ouviu
na Prisão grande ruído,
e apareceu Julieta,
envolta em branco vestido.

Julieta
Romeu, Romeu de minh'alma,
quanto sofri tua ausência!
Debalde pedi, por ti,
a meu Pai sua clemência!
Eu vim te tirar daqui,
desta cruel penitência!

Falei com um velho Padre,
a quem contei, lealmente,
que tinha por ti, Romeu,
uma paixão louca, ardente!
O Padre me prometeu
casar-nos secretamente!

Vem! Eu subornei os guardas:
Não há ninguém nos seguindo!
Já soou a meia-noite,
os meus Pais estão dormindo!
Não tenhas medo da Noite,
pois o Luar está lindo!

Romeu:
Meu Deus, que felicidade!
É a minha noiva-amante!

Julieta:
Vamos lá para a Capela,
chegamos lá num instante:
Lá, o Padre nos espera,
com o Coroinha-ajudante!

Enquanto os dois se casam, na presença do padre, os músicos tocam "Bernal Francês", a música da festa.

Quaderna:
Assim, Romeu, na Capela,
com Julieta casou!
Debaixo dos pés de Cristo
foi que ele se ajoelhou
e, diante de Deus, por ela,
amor eterno jurou!

O Padre:
Romeu, vou dar-lhe um conselho
é melhor você partir.
Você deve ir para Mântua,
lá, um tempo, residir.
Prometa à sua Mulher
ir dela se despedir.

Ela sai, vai esperá-lo,
fiel, em sua janela.
Você, daqui a momentos,
vai lá, para estar com ela.
Suba o muro do Castelo
e vá para o quarto dela.

Julieta:
Romeu, vou em tua frente,
para no Castelo esperar-te.
Por enquanto, aqui tu ficas,
para o Padre aconselhar-te,
pois o Padre é nosso amigo:
o que pretende é salvar-te!

Sai.

O Padre:
Muito bem, Romeu, meu filho!
Você agiu bem, Romeu!
Mas agora é necessário
cuidar do futuro seu.
Você não diga a ninguém
que quem os casou fui eu!

Hoje mesmo, antes que o Sol
tenha chegado a sair,
você deve ir para Mântua:
Julieta fica aqui.
Se o ambiente melhorar,
eu mandarei prevenir.

Na sua ausência, eu prometo
por Julieta velar.
O ódio de Capuleto
procurarei abrandar.
Se conseguir, a notícia
logo mando lhe levar.

Romeu:
Beijo-lhe a mão, meu bom Padre,
mas minh'alma está ferida!
Vou procurar Julieta,
vou procurar minha vida!
Sei que me arrisco, mas vou
celebrar a despedida!

Quaderna:
Ao chegar lá no Castelo
Romeu achou sua amada.
Julieta o esperava,
na varanda debruçada.
Romeu parecia ter
a alma toda exaltada!

Julieta:
Quem bate na minha Porta?
Quem bate? Quem está aí?

Romeu:
Ah, minha amada, é Romeu!
sua Porta venha abrir!

Abre-se a cortina do palco menor, onde se vê uma cama. Fala Julieta, enquanto se encaminha para lá, com Romeu.

Julieta:
No deitar da minha Cama,
se rompeu o meu Frandil.
No descer da minha Escada,
me caiu o meu Chapim.
Eu te pego pela mão,
tu entras no meu Jardim.
Te faço Cama de rosas,
travesseiro de Jasmim.
Te lavo em água-de-cheiro,
te deito em cima de mim.

Os dois entram e fecham a cortina.

Quaderna:
O que se passou ali
-digo ao público-auditor-
é impossível descrever,
tal foi a cena-de-amor!
Imagine quem já tenha
vivido um igual ardor.

Mas, pra falar do que houve,
uso um verso conhecido,
que não é da minha lavra,
pois caiu num outro ouvido.
Ele dá pálida idéia
do que ali foi sucedido.

Novamente a critério do encenador, a cena seguinte pode ser representada pelo ator que faz Romeu ou por dois bonecos que representem o casal. Romeu (ou o casal de bonecos) aparece por cima do travessão que sustém a cortina.

Romeu:
"Eu tirei minha Gravata,
ela tirou o Vestido.
Eu, o cinto, com Revólver,
ela seus quatro Corpinhos.
As anáguas engomadas
soavam nos meus ouvidos
como um tecido de seda
por vinte facas rompido.
Eu toquei seus belos peitos
que estavam adormecidos,
e eles se ergueram, de súbito,
como ramos de jacinto.
Naquela noite eu passei
pelo melhor dos caminhos,
montado em Potrinha branca,
mas sem Sela e sem estribos.
Suas coxas me escapavam,
como Peixes surpreendidos,
metade cheias de fogo,
metade cheias de frio".

Julieta:
"Ele tirou a Gravata,
eu tirei o meu Vestido.
Ele, o cinto, com Revólver,
e eu, meus quatro Corpinhos.
As anáguas engomadas
soavam nos meus ouvidos
como um tecido de seda
por vinte facas rompido.
Ele tocou nos meus Seios,
que estavam adormecidos,
e eles se ergueram de súbito,
como ramos de jacinto.
Naquela noite, corri
pelo melhor dos caminhos,
montada por um Ginete,
mas sem Sela e sem estribos.
Minhas coxas lhe escapavam,
como Peixes surpreendidos,
metade cheias de fogo,
metade cheias de frio".

Quaderna:
Então, que imagine o público
esta cena de noivado.
O tempo em que estiveram
aqueles dois abraçados.
Quantos beijos, quantos toques,
quantos êxtases trocados!

O Dia já vinha entrando
pela brecha da Alvorada.
Eles, coitados, pensavam
que inda era a Madrugada,
e Romeu, feliz, beijava
o corpo de sua Amada.

Quando, porém, conheceram
que o dia estava a chegar,
Romeu disse a Julieta:

Romeu:
Eu inda estava a sonhar!
Adeus! Nesta hora triste,
eu parto, vou te deixar!

Vamos viver separados,
pois o Destino assim quis.
Eu peço a Deus que te faça,
no mundo, muito feliz.
Eu partirei para o exílio:
cumpro uma Sorte infeliz!

Se algum dia tu souberes
que eu, longe de ti, morri,
murmura a Deus uma prece
por quem tanto amou a ti.
Derrama por mim teu pranto,
que eu, por ti, muito sofri.

Quanto a mim, também te juro
que, se morreres primeiro,
sobre o teu leito de morte
eu virei, triste romeiro,
dar, abraçado contigo,
meu suspiro derradeiro.

Eu estou sentindo um triste
pressentimento de Morte.
Minh'alma, como uma Nau
que está perdida e sem norte,
vagueia num Mar imenso,
entregue a terrível sorte.

Como vai ser triste e duro
o tempo que vou passar
longe de ti, Julieta,
da bênção do teu olhar!
Adeus, enfim: vou seguir!
Adeus: eu vou te deixar!

Adeus, Verona, onde deixo
meu Sonho, minha ilusão!
Adeus casas, ruas, praças,
e aves de arribação.
Adeus, Julieta! Eu parto,
mas fica o meu coração!

Quaderna:
Beijaram-se os dois amantes,
se abraçaram docemente.
Juraram que haveriam
de se amar eternamente.
E afinal se separaram,
chorando o Amor inocente.

Logo após Romeu deixava
a nobre e bela Morada.
Julieta, soluçando,
na Varanda debruçada,
ficou até que Romeu
se sumiu no pó da Estrada.
Daquele dia em diante,
Julieta não mais sorriu.
Sonhando pelo Jardim,
nunca mais ninguém a viu.
Do castelo de seu pai,
pra canto nenhum saiu.

Todos ficaram pasmados,
perante aquela tristeza.
Pensavam que era doença
sua profunda frieza.
Só à imagem de Romeu
é que se mantinha presa.